No domingo à noite quando me deitei no
sofá a adormecer a Nonô nunca pensei no que me ia acontecer...
Por volta das 21.30min. a Suse bateu-me
freneticamente à porta. Abri.
E ela, a chorar disse: "A minha casa
vai arder... Anda fogo na Ferradura! Avisa o Lourenço (o marido encontrava-se
em Santa Comba Dão a combater o incêndio)...!
Eu disse: "ok ok"...
Fecho a porta e a correr chamo pelo PD
"A casa da Susana vai arder... estamos sem telefones... tens de ir
ajudar!"
O PD desata a correr e disse: "Vamos
embora!"
Eu fiquei em casa... Deixei as mensagens
ao Lourenço e, num grupo do whatsapp que tenho com as minhas amigas, deixei
mensagens a pedir para entrarem em contacto com os bombeiros porque estávamos
sem telefones... eu só tinha internet em casa. As comunicações estavam sempre a
"ir e vir". Entretanto, consegui fazer uma chamada para o 117 a pedir
socorro. Aí informaram-me que já tinham conhecimento da ocorrência e que já
tinham sido direcionados meios para o local. Nesta altura, também consegui
entrar em contacto com a minha mãe e pedir-lhe para ela vir de casa dela
(Janardo) para a minha para ficar com a Nonô e, assim eu ir ajudar a Susana. Liguei
também aos meus tios do Guardão para avisá-los do incêndio e para saberem que a
mãe vinha para cima.
Preparei-me e, quando ela chegou, saí a
correr, mas não sem antes de lhe prometer que não demorava, uma vez que ela
também estava preocupada com a casa dela. Mal sabíamos!
Foi uma viagem de não mais de três minutos
e lembro-me de reparar que o termómetro marcava 25.ºC às 21.45h. Estacionei à
porta de casa dela e olhei para ver se via alguém... mas não vi ninguém! Chegavam
constantemente carros e, eu, tal como os outros, corri em direção às chamas,
para ver se via a Susana ou o meu namorado. Quando cheguei lá, foi este cenário
grotesco com o qual me deparei:
Comecei logo a perguntar pela Susana e
pelo PD. Ninguém os tinha visto. Eram só pessoas a correr, outras a ver, outras
à procura de alguém... Os bombeiros tentavam combater o incêndio... O
Presidente da Câmara estava sempre ao telefone, pedia meios... Enfim, andava
tudo num reboliço!
De repente vejo a Suse e corri logo para
ela... "Suse.. então!? O que precisas? Vamos molhar a tua casa!" e
ela: "Venho de lá! Já tive a fazer isso... Viste a minha prima!?", e
eu: "Não! Viste o PD!?", e ela: “Não!”
Volto a dirigir os olhos ao cenário que me
rodeava… E tal como num filme, paro momentaneamente e n o Presidente da Câmara.
Tentava coordenar os meios, falando freneticamente ao telefone e ouço-o dizer:
"É preciso meios em Mouraz! Meios para Mouraz!" Eu penso, Mouraz é
uma localidade perto do IP3 do lado oposto do concelho Tondela. Aí olhei para
as chamas e disse para mim: "Ui! Também está lá em “baixo”... Está em todo
o lado... se calhar não vamos ter mais meios!" E não, não havia meios para
chegar a todo o lado.
Continuei à procura do PD... Perguntava… Uns
diziam que o viram ali, outros acolá... Nenhuma informação era precisa, eram só
informações dispersas. Eu olhava e olhava e, foi nesse momento que o vi... Fui
ter com ele e ele disse-me que estava “em baixo” com algumas pessoas, que agora
já não consigo precisar o nome... Então eu disse: "Vou para casa da Suse. O
fogo vai para lá! Vai lá ter!". Eu e a Susana fomos para casa dela
enquanto ele foi na direção oposta.
Andámos uns metros e chegámos à casa. Nessa
altura, só estavam lá os pais dela, munidos de duas mangueiras remendadas,
tentavam que a água, sem pressão, chegasse à horta. O importante é molhar de
volta da casa. Corríamos de um lado para o outro, completamente desorientados,
olhávamos para as chamas a aproximarem-se... Ninguém sabia muito bem o que
fazer! Um sentimento de impotência instalava-se... "Vamos perder a casa!
Vamos perder a casa!", gritou a dona Isabel. Foi um desespero inimaginável.
O caos total!
As pessoas iam chegando para ajudar, mas
não havia muito a fazer com apenas as mangueiras remendadas e um balde de
plástico. Alguém apareceu com uma sachola, outro pegou num podão, iam tentando
evitar que as chamas se aproximassem, mas elas galopavam na nossa direção.
Os meus tios também chegaram para ajudar. Chegou
a carrinha da proteção civil e, eu pensei, pelo menos já tínhamos um carro com
tanque. Começamos a puxar a mangueira do carro. Alguém colocou outra a
abastecer com uma das remendadas. Todos assustadoramente coordenados tentavam
evitar o pior.
Alguém me diz: “tens de mudar o carro de sítio”.
Coloquei a mão ao bolso, senti a chave e dirigi-me ao carro. Estacionei na
estalagem e regressei a correr. A distância daí até à casa da Suse é uma reta,
que no início tem casas de um lado e de outro. Lembro-me de ver o meu chefe a
tentar salvar a casa dos pais com ajuda de algumas pessoas. E lembro-me de ver
só pessoas a correr para ajudar alguém. Todos tínhamos uma missão implícita e
tentávamos cumpri-la.
Cheguei novamente a casa da Susana. Todos
tentavam freneticamente fazer alguma coisa. Vimos um jipe dos bombeiros a
aproximar-se… Corremos para chamá-los. As chamas avançavam e, de repente houve
uma grande rajada de vento... Eu só vi chamas e pensei: “É agora!!” Mas as
chamas incrivelmente abrandaram por alguns segundos! Continuamos a correr, a
tentar conter as chamas. A Susana diz-me: “Vai ver o meu pai que eu fico com a
minha mãe!” Corro em direção ao PT que têm junto a casa e lembro-me de olhar
para o lado e reparar:” Tá arder ali… tá a arder na granja!” Aquela rajada tinha
levado ou projetado o fogo para a encosta oposta. As coisas estavam a ficar muito
negras.
Continuámos naquela luta até que a Suse me
pede para ir colocar a carteira da mãe ao meu carro. Corro novamente em direção
ao carro e encontro-me no caminho com o filho do meu chefe. Ele diz-me: “As
chamas já chegaram a Janardo. Estão na casa da “ti” Eugénia.”. Eu pensei, tenho
de avisar a minha mãe. Ele ainda me disse: “Se fores para lá vai com cuidado!
Está muito difícil!”
Fiquei ali alguns segundos, com a carteira
na mão, sem saber se andava para a frente, se voltava e avisava que me ia
embora. Resolvi ir a casa avisar a minha mãe. Quando cheguei, toquei à
campainha e disse-lhe o que o Tiago tinha dito. Ela, assustada, foi buscar as
coisas dela e eu fui buscar a menina. Dormia profundamente na caminha dela. E
ali decidi. Vou levá-la à Mónica. A Mónica está grávida de 30 semanas e de
certeza que está em casa com a Mariana.
Saímos as três de casa, a minha mãe foi
para casa e eu fui para casa da Mónica. Quando cheguei, já estava a Isabel a
deixar também a Matilde. Olhei para a Mónica e disse: “Ficas com a Nô? Está a
arder Janardo!”… Ela acenou e eu desatei a correr para o carro.
Quando cheguei novamente à estalagem, vi
uma cisterna grande da câmara. Veio trazer água. Foi a sorte dessas casas aí.
Contudo, estava tudo num reboliço. Os carros estavam todos a tentar sair. As
pessoas que tinham ido para aí ajudar, queriam ir para as suas casas, queriam
salvar os seus bens. No entanto, a estrada estava cortada. Não deixavam passar.
Fiz inversão de marcha e vi que a minha mãe estava atrás de mim. Não conseguiu
passar.
Regressámos a minha casa. Estacionamos os
carros e a minha mãe só dizia: “Não deixam passar, mas tenho de ir para casa! A
casa vai arder.”. Olho à volta... O incêndio estava a chegar ao Caramulo por
duas frentes. As pessoas andavam de um lado para o outro a tentar achar
caminhos alternativos. E, de repente, vejo o Fil e pergunto: “o PD!?” e ele
diz-me: “ Não sei! Ele ficou lá em baixo com o Ricardo. Tenho de ir para
Pedronhe, o fogo está na casa do Espalha!” E eu penso: O fogo está quase na
casa do Ricardo! Oh meu deus! Ele vai para lá (A casa onde vive o Ricardo tem
uma mata própria e é ao lado de um pinhal / eucaliptal, na entrada do
Caramulo). Senti um grande aperto no coração, mas não podia parar. O que
fazemos, pensei! Então resolvemos ir a pé para a Ferradura.
Quando eu e a Dina chegámos as coisas
estavam mais calmas. A maior parte das pessoas tinham dispersado. Os meus tios
continuavam lá. Perguntei se sabiam do PD. E eles disseram que tinha passado
ali mas que tinha saído com o Ricardo.
A minha mãe continuava preocupada. Queria
tentar passar. Queria ir a pé. Resolvemos então, voltar para minha casa para ir
buscar um carro e ir a Janardo. Avisámos os meus tios e colocámos os pés a
caminho. O cenário que víamos não era nada bonito. As chamas galopavam em
direção ao Caramulo. Lembro-me de ver algumas pessoas junto à casa das lousas
mas seguimos, não podíamos parar. Chegámos ao cruzeiro e alguém nos disse que
não se passava. Tentávamos pensar numa alternativa e vemos o jipe da Tita. Eles
vinham para ajudar na casa da Marlene mas dissemos-lhes que não se passava para
o Guardão. Eles resolveram vir connosco a Janardo. Fomos os 4 para a aventura
das nossas vidas.
Quando iniciámos a viagem sempre pensei
que iria encontrar alguém a cortar a estrada, mas não! Conseguimos chegar à
granja e, de repente, estávamos no meio do incêndio. Era chamas dos dois lados
da estrada. Fumo denso, que subia e descia consoante o vento e cinzas
incandescentes a remoer na estrada. Seguimos com muita dificuldade. Nessa
altura conseguimos fazer o S da granja com alguma visibilidade e seguir caminho
para Janardo. Como nos tinham dito que o fogo andava na 1.ª cortada, seguimos
em direção à segunda. A visibilidade ia-se perdendo com o fumo. Havia árvores a
arder de um lado e do outro da estrada. A chegar ao segundo corte. Estava a
“ti” Aurora completamente desorientada. Tentava fazer marcha atrás junto à
paragem do autocarro. Ainda tivemos aí num impasse, porque ela estava com
sérias dificuldades em conduzir o carro. De repente vê um carro a vir de
Janardo e arranca na direção contrária. Nunca mais deixou o meu pensamento.
A viatura que vinha era um casal que já
deixava a sua casa. Andámos mais uns 150 metros, junto às primeiras casas e
ficámos no meio de um mar de chamas e fumo denso. As labaredas fustigavam tudo.
Uma carrinha aí parada começava a arder. Estava insuportável… o fumo rodeava-nos…
Era pior que um cenário de terror. Decidimos não avançar mais. Era impossível
passar. Fizemos inversão e iniciámos caminho para regressar ao Caramulo. A
minha mãe chorava desesperadamente. A minha tia estava nervosa. O meu tio
tentava concentrar-se na condução e eu, eu só pensava que se não saímos dali
rapidamente o fumo ia desorientar-nos. Já estávamos com algumas dificuldades em
respirar. Seguimos caminho devagar. Passámos a reta, o 1 cruzamento e entrámos
no S da granja. Fumo! Não víamos nada. Estava cheia de medo, sentia-me muito
apreensiva e angustiada. Se viesse algum carro de cima iria embater connosco,
estávamos no meio da estrada. Não conseguíamos ver nada.
Com dificuldade chegámos à granja e
deparámo-nos com uma parede de fumo gigantesca e labaredas dos lados. Era
impossível passar ali. Estávamos perdidos. Voltámos para trás... Novamente, o
S, novamente muita dificuldade em passar. Primeiro cruzamento e reta e, aí
encontrámos um jipe dos bombeiros ou proteção civil não me lembro da cor. Fizeram
sinais e abrandámos. Informaram-nos que tínhamos de retroceder porque não
passávamos para baixo, havia árvores caídas na estrada e arrancaram. Nós
voltámos a fazer inversão de marcha. O meu tio aí disse: “Conseguimos passar na
granja! Vamos embora!” Eu pensei, “não vamos sobreviver… não acredito nisto!
Vou morrer aqui! Não vou ver mais a minha filha.” Lembro-me de colocar a mão no
vidro e senti-lo a arder. Tinha a garganta seca e os olhos ardiam-me muito. Estávamos
novamente no S!O fumo estava muito denso... A minha tia contava as placas de
direção, o meu tio estava nervoso… Não conseguíamos ver nada. Levanta um pouco
o fumo, olhámos e estávamos atravessados na curva, virados para o pinhal! Estávamos
no meio da estrada: “Oh deus! É agora!”, pensei. O meu tio, com dificuldade,
tentou voltar à nossa faixa. “Ufa! Passámos o S”, disse para mim. Reta da
granja, massa negra de fumo, cinzas incandescente cobriam
a faixa de rodagem e, em frente, labaredas erguiam-se no meio do caminho. Era
impossível passar ali. Mais discussão. Vamos voltar! Vamos atravessar! O medo
profundo estava em todos nós. Virámos o carro novamente e nisto aparecem 2 ou 3
jipes.. O primeiro não parou, o segundo disse para irmos atrás deles e
arrancaram. Desapareceram na cortina de fumo. Tínhamos de virar o carro.
Voltámos ao “S” e virámos no caminho da casa do povo (antes do primeiro
cruzamento). Novamente o S e granja e mais uma vez, um cenário assustador da
reta. Começámos a dizer ao meu tio para não avançar, que não íamos sobreviver.
O jipe não aguentava muito mais e nós também não. Era fumo por todo o lado, o
vidro estava a ferver… Pensei mesmo que íamos ficar ali. Um desespero profundo
invadiu-me... Não ia ver a minha filha crescer... Não ia ver mais o PD.
Passou-me inúmeras coisas pela cabeça e disse ao meu tio: “Vamos para a
casa do povo. Lá há água.” A minha tia, aflita, disse comigo e o meu tio cedeu
e voltou a inverter a marcha. Novamente o S e casa do povo. Sim, a casa do povo
era logo ali, entre o S e o cruzamento, mas como o incêndio tinha andado aí,
nunca nos passou pela cabeça deslocar-nos para lá.
Podíamos ter escolhido, no 1.º cruzamento, cortar para Janardo ou para o
Guardão, mas também achámos que íamos dar com o fogo metros à frente. É uma
desorientação total! Era difícil ver soluções ou raciocinar naquele momento.
Enfim, quando parámos na casa do povo, a minha tia saiu e disse: “vou
ver como está ali à frente (direção Guardão)”. O meu tio foi também. Eu fiquei
no jipe a tentar assimilar todas as emoções... estava a tremer. A minha tia
chamou-nos: “Vamos ali para a casa da Júlia! Estão pessoas na entrada!”, e
assim foi. Deixamos o jipe e fomos para o portão dela.
Aquele bocadinho entre a casa da Júlia, a casa do povo, a casa do Daniel
e a capela de São Sebastião é um pequeno descamado no meio de todo o arvoredo a
arder à volta. Ali senti-me um pouco segura. Sentei-me no chão e pensei... o
fumo sobe. Assim não apanho tanto fumo. Tivemos ali talvez uma hora.
Conseguimos falar ao telefone. A minha mão ficou a saber que os vizinhos
estavam na nossa casa a tentar salvar a casa e que, nesse momento, as coisas
estavam controladas. Consegui falar com a Susana e avisar onde estava. Consegui
falar com a Tânia que estava preocupadíssima por volta da meia-noite e meia. E
consegui depois de várias tentativas falar com o PD. Estava em casa do Ricardo.
Tentavam salvar a casa.
Aí também troquei mensagens com a Andreia. Já era 01.15h! Ela perguntava
como estavam as coisas e contou-me que tinha sido evacuada para Viseu (ela mora
em Tondela). Aí tive a certeza que era uma catástrofe.
Enquanto esperávamos... Falávamos do que tínhamos visto ou ouvido, mas
as informações eram muito vagas. Não parava de pensar na “ti” Aurora. O que lhe
teria acontecido!? O Daniel ainda foi ver se ela estava em casa, mas não
estava. Com o vento e o fumo era impossível andar de um lado para o outro.
Conseguimos lavar a cara e beber água.
Os rapazes decidiram tentar passar pelo Guardão. Eles foram e nós
esperamos. Resolvemos também tentar ir pelo menos até mais à frente. Fiquei
imediatamente apreensiva. Interiormente achava que ali era o melhor sítio, mas
segui os meus companheiros e entrei no jipe.
Uns trezentos metros à frente, na pedreira, (bifurcação onde vais para o
Guardão ou sobes ao Caramulo) estava um carro de bombeiros. Abrandámos e
perguntámos se dava para subir. A bombeira respondeu que em principio sim. Pelo
menos tinham estado a passar carros. Iniciamos novamente o caminho e vemos uma
nuvem de fumo preto a deslocar-se na nossa direção e começámos logo… “é melhor
não arriscar! Está muito fumo!”. Só a minha mãe queria arriscar. Estava com a
cisma de ir buscar o carro e ir para Janardo. Não arriscamos! Marcha atrás e
deslocámo-nos para o Guardão, para casa da minha tia.
Saímos uns metros antes e estavam aí umas vizinhas delas a ver o cenário
no Guardão Cima (zona da Igreja). Ouvia-se botijas a rebentar. Clarões de
chamas. É um cenário digno de um filme de terror. Assustador.
Todos estavam muito apreensivos. Olhávamos para as chamas a consumir
tudo. Tentávamos telefonar e saber notícias. Eu estava preocupada com o PD. A
minha mãe tentava ligar e nada. Lembrei-me do J. Cabaças e escrevi um SMS a
perguntar-lhe se ele sabia do PD. Ele respondeu-me que não sabia naquele
momento mas que o tinha visto sair com o Ferreira. A minha mãe ligou ao
Ferreira e ele atendeu. Disse que estavam bem e que o PD estava com ele. Fiquei
aliviada.
Mandei outro SMS ao J. Cabaças pela minha casa (ele tem casa perto)
porque quando saímos de jipe o incêndio estava mesmo às portas dela. Ele
respondeu “Para já Sim!” Foi a última mensagem que recebi e foi a última
comunicação que consegui fazer. Era 01.56h da manhã.
Mais descansadas. Juntámo-nos aos restantes populares que observavam o
avançar das chamas na rua principal da aldeia. Todos falavam. Notava-se o
nervosismo e a apreensão no gesticular e nos tons de voz. Tentavam obter mais
informações. Parou um jipe da GNR. Os polícias estavam pálidos de medo. Tentaram
sair por Pedronhe mas também não conseguiram. Parou também o Espalha e
disse-nos que já estava mais calmo para o lado da casa dele.
O incêndio continuava a avançar em duas direções. Por um lado avançava
em direção ao Guardão (a nossa direção) por outro avançava para o recreio.
Chegou à Pedreira e passou a estrada. Neste momento avançámos para junto do
tanque comunitário. Era importante não deixar passar do caminho (ribeiros) para
o outro lado. As pessoas começaram a encher baldes, os homens subiram o caminho
em direção ao Caramulo e nós chegávamos-lhes os baldes. A inclinação era
grande. Tínhamos grandes dificuldades em transportar os baldes na subida e escorregávamos
na descida. O importante era não desistir, embora parecesse uma luta inglória.
Do lado de baixo, as chamas não passaram para o lado direito do caminho,
mas no topo do caminho passaram. Estavam, nesse momento, nos terrenos por baixo
do lar e do recreio. Aí havia um depósito de gás.
Com as coisas mais calmas do lado de baixo resolvemos tentar passar ajudar
do lado de cima, tínhamos de tentar chegar ao Caramulo.
Novamente nervosa, entrei no jipe. Foi uma viagem pacífica, mas viam-se
arvores a arder e, na zona do cruzeiro, ardia com alguma força os anexos da
casa da lomba.
Estacionamos junto ao lar. Corremos em direção às pessoas que aí se
encontravam a tentar combater o fogo. Do lar, munidos de mangueiras, mandavam água
em direção às chamas. Ouvia-se uma motosserra do lado do recreio. Estavam ali
algumas pessoas. Comecei a perguntar se tinham visto o PD. Alguns disseram que tinha
passado ali com o Presidente da Junta.
Chegou a cisterna da junta para fazer uma descarga na zona do recreio. Resolvi
ir ver se o PD estava lá. No caminho vi o Dias que estava ao telefone com o
Presidente da Junta. Perguntei-lhe se o PD estava com o outro e ele disse que
sim. Estavam no Guardão. Fiquei novamente mais descansada.
Cheguei ao recreio e já estava as pessoas que tinham andado no Guardão.
Os homens munidos de ramos foram abafar as chamas e, nós começamos a encher
baldes de água para tentar muito sinuoso e inclinado com muito mato (silvas),
pedras, vidros e buracos. Ficámos algumas vezes presas no mato ou nos buracos.
Era necessário direcionar com telemóveis o caminho. Outra descarga da cisterna
e começávamos a ganhar terreno sobre as chamas.
Nessa altura resolvi ir ter com a minha mãe e a minha tia. Desloquei-me
novamente em direção ao lar. Estava tudo mais calmo.
A minha mãe tinha ido descansar para minha casa. O meu tio e a minha tia
foram dar uma volta comigo para ver se víamos o PD.
Guardão Cima, Pedronhe, Guardão de Baixo. O cenário era desolador. Tudo
ardido. Via-se ainda pequenos focos. Só ficou mesmo as casas. Parámos na zona
da Igreja. Havia casas caídas / ardidas. Perguntámos à Teté e ao Paulo pelo PD mas
não o tinha visto. Estavam desolados. Viram-se mal para salvar a casa e tinha
recebido a notícia que os pais da Teté tinham perdido tudo. Viviam em Vila Nova
da Rainha.
Seguimos caminho. Granja, Estalagem, Ferradura. O mesmo cenário. Não
vimos ninguém. A sair daí via-se umas chamas a subir em direção ao Caramulo nas
pontes. Fomos ver. Aí encontramos o Presidente e o PD. Estavam à espera da
cisterna da junta. Depois de tantas horas, finalmente! Foi um enorme alívio ver
que estava tudo bem com ele.
Tivemos aí algum tempo mas depois fui para casa. Eram umas 6 da manhã. A
minha mãe estava à janela. Queria ir a Janardo. Pegamos no carro e nas pontes
pedi ao PD para vir connosco. Janardo estava todo queimado. Havia casas
queimadas. Era desolador.
A casa salvou-se por um triz. Foram os vizinhos que evitaram que o fogo
consumisse a casa. Ao seu redor, tudo ardeu. A minha mãe pegou nas coisas e
regressamos ao Caramulo.
Olhei para o relógio, eram 6.30h! Pensei em ir buscar a Nonô.
Nessa altura vem a funcionária do lar a pedir ajuda. Estava de novo a
arder. Ela foi avisar os Simões, O PD foi avisar o Presidente da Junta e eu fui
avisar o responsável do lar, porque sem comunicações, tínhamos de ir de carro.
Cheguei ao recreio. Andavam 3 pessoas a tentar parar o avanço das
chamas. Juntaram 3 mangueiras de 25 m, mas era preciso controlar as “uniões”
porque com os puxões podiam soltar-se. Fiquei aí.
Não sei quanto tempo tivemos aí até chegar ajuda, mas a equipa do Guardão regressou e, mais uma vez, ajudou a apagar o fogo. Nessa altura, lembro-me que olhei
para o céu e já tinha amanhecido. Era importante regressar a Janardo.
Nessa altura chamei pelo PD. Queria ir novamente a Janardo. Podia ter reacendido
também. Fomos os dois. O cenário de dia era ainda pior que de noite. As
lágrimas escorriam-me. Era tão triste! Perdemos tudo!
Andei com a mangueira a colocar água no quintal, nas árvores, no telhado…
o fogo chegou à cerca. Era tão triste.
Iniciamos nova viagem. As caras das pessoas refletiam a dor de quem tudo
perdeu. Continuavam a olhar para o queimado, como se temessem que as chamas
voltassem. Perderam animais, lenhas, culturas, viaturas. Havia casas que
pareciam autênticos escombros como a do senhor Alexandre ou outras que continuavam
a arder como a da ti Aurora. Ao chegar ao 2.º cruzamento passamos pela ti Aurora! Ela estava bem! Conseguiu fugir das chamas.
O incêndio continuava no Carvalhinho. Fomos ver. Se progredisse em
direção ao Caramulo, chegaria a casa dos meus sogros. As pessoas tentavam
combater o incêndio. Rostos carregados pela tragedia. O PD parou e o Carlos
Alberto disse: “Poe-te no Caramulo. O incêndio vai para lá!” As pessoas estavam desoladas, mas carregavam baldes de água. Não paravam.
Passamos na Mónica. Vimos a Nocas. O PD conseguiu ligar para o trabalho
do telemóvel do André. Avisamos ao André que íamos ao Torgal ver a propriedade
e ver onde estava o incêndio. Ficaram de ir ter connosco.
Torgal. Tudo calmo. O incêndio estava longe. Resolvemos ir comer
qualquer coisa. Quando chegámos a casa estava a Anita à nossa espera. Deviam
ser 9.30h/10h. Tinha ido a Tondela para trabalhar, mas encontrou tudo fechado.
Encontrou uma cidade fantasma. Voltou para cima.
A Anita foi mudar de roupa para vir connosco para o Carvalhinho e nós
fomos comer.
Passamos no André e na Mónica. O PD queria avisar os pais que estava
tudo bem. Estavam no Montijo e ainda não sabiam de nada.
Chegamos à Ferradura. Vigiamos as chamas durante algum tempo, até que o
André chegou. Resolvemos ir para o Carvalhinho ajudar. Ficámos com um grupo que
tentava evitar que as chamas passassem para o lado de cima da estrada. A
cisterna da junta chegou mas foi para o outro lado da aldeia, onde se
encontrava outro foco de incêndio. Passado um tempo chegou a carrinha da junta
e ao 12h os bombeiros.
Depois de almoço voltamos ao torgal mas não se via nada e fomos ver
novamente ao Carvalhinho. O incêndio estava controlado. Podíamos descansar.
Depois de jantar ainda fui duas vezes até ao lar. Estava com receio que reacendesse.